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OPINIÃO CONSULTIVA 32 DA CORTE IDH – EMERGÊNCIA CLIMÁTICA E DIREITOS HUMANOS

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    vitoria fachin
  • 30 de jul.
  • 7 min de leitura

A Corte IDH ressaltou a importância do reconhecimento da natureza enquanto sujeito de direitos.

 


opinião consultiva 32 da Corte IDH
Desastre ambiental no Rio Grande do Sul em 2024

30 de julho de 2025

Vitória Fachin

 

O Chile, em 09 de janeiro de 2023, solicitou à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), parecer consultivo sobre: “as obrigações dos Estados de responder à emergência climática sob o direito internacional dos direitos humanos, com base no artigo 64.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e em conformidade com os artigos 70.1 e 70.2 do Regulamento da Corte.” 1. E, em 03 de julho de 2025, a Corte IDH notificou a República do Chile acerca do parecer adotado no dia 29 de maio de 2025, por meio da Opinião Consultiva 32.


No referido parecer a Corte IDH assentou que a Opinião Consultiva alcança todos os Estados-Membro da Organização dos Estados Americanos (OEA) 2.

 

A Corte IDH destacou a importância do reconhecimento do direito constitucional ao meio ambiente saudável nas Constituições dos Estados-Membros, bem como destacou que alguns países estabelecem obrigações específicas em matéria de mudança climática.

 

Ademais, foi ressaltado que a emergência climática afeta de maneira desproporcional as pessoas mais vulneráveis, bem como a América Latina e o Caribe, em razão da alta exposição a diferentes fenômenos climáticos e da vulnerabilidade social das populações decorrente da desigualdade elevada nessas regiões.

 

Nesse sentido,  a Corte IDH determinou que, diante da obrigação de assegurar o desenvolvimento progressivo dos direitos sociais, culturais, econômicos e ambientais, os Estados devem destinar o máximo de recursos disponíveis para a proteção de pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade (considerando fatores de interseccionalidade e de discriminação estrutural) e devem assegurar a adequada proteção aos direitos dos povos originários e tribais e das comunidades que guardam relação estrita com os ecossistemas.


O Tribunal ressaltou que existem certas situações de vulnerabilidades comuns aos Estados como crianças e adolescentes; povos originários; povos tribais; comunidades afrodescendentes; comunidades campesinas; pescadores; mulheres; pessoas com deficiência; pessoas idosas, que podem sofrer discriminação desproporcional nos contextos dos desastres climáticos, considerando, ainda, como fator agravante a situação de pobreza multidimensional.


Com isso, a Corte IDH destacou que, no marco da emergência climática, as vulnerabilidades devem ser entendidas como condições dinâmicas e contextuais, determinadas pela diversidade e complexidade dos impactos associados às mudanças climáticas. Diante disso, devem ser reconhecidas novas formas de vulnerabilidades, para que possam ser adotadas medidas específicas de proteção.


A partir das análises feitas, a Corte IDH estabeleceu que a emergência climática se caracteriza pela conjugação de 3 fatores Ibid:

 

1º) urgência de ações eficazes;

2º) gravidade dos impactos e

3º) complexidade das respostas.

 

Com isso, o Tribunal determinou as obrigações dos Estados frente à emergência climática Ibid:

 

a) obrigação de respeito: os Estados devem abster-se de qualquer comportamento que ocasione algum retrocesso no resultado das medidas necessárias para proteger os direitos humanos frente ao impacto das mudanças climáticas e

 

b) obrigação de garantia: os Estados devem adotar todas as medidas necessárias para diminuir os riscos derivados da degradação do sistema climático global e da vulnerabilidade gerada pela exposição a esses riscos.

 

Nesse sentido, os Estados têm a obrigação positiva de adotar medidas para garantir a proteção, restauração e regeneração dos ecossistemas, de forma compatível com a melhor ciência e com os saberes tradicionais locais e dos povos originários.

 

Ademais, de acordo com a jurisprudência da Corte IDH – que faz parte do corpus juris do direito internacional dos direitos humano e deve ser observada pelos Estados-Parte da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), conforme o Caso Gelman Vs. Uruguai 3 as obrigações de garantia e de prevenção requerem atuação com devida diligência reforçada no contexto de emergência climática, nos seguintes termos 4:


·         identificação detalhada e aprofundada dos riscos;

·         adoção de medidas preventivas proativas e ambiciosas;

·         utilização da melhor ciência disponível na estruturação e implementação de ações climáticas;

·         adoção da perspectiva dos direitos humanos na formulação, implementação e monitoração das políticas climáticas, para que não sejam criadas vulnerabilidades ou mesmo exacerbá-las;

·         monitoração permanente dos efeitos e impactos das medidas climáticas;

·         cumprimento das obrigações derivadas dos direitos de procedimento, em especial, acesso à informação, à participação comunitária e acesso à justiça;

·         dever de transparência e prestação de contas;

·         regulação e supervisão adequada da devida diligência empresarial;

·         cooperação internacional reforçada, em especial, transferência de tecnologia, financiamento e desenvolvimento de capacidades.

 

 A Corte IDH também pontuou o caráter essencial da obrigação de adequação normativa em face da emergência climática, visto que as normas devem orientar o Estado e o particulares para enfrentar de maneira eficaz e integral as causas e consequências das mudanças climáticas.

 

Além disso, verifica-se que, em razão da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, diversos direitos são impactados diretamente pela violação ao direito ao meio ambiente saudável. Nesse sentido, a Corte IDH classificou em grupos esses direitos Ibid:

 

I) Direitos substantivos, cujo desfrute é especialmente vulnerável à degradação do ambiente em detrimento das pessoas, por exemplo, direito à vida, integridade pessoal, saúde, propriedade, habitação, liberdade de residência, liberdade de circulação, à água, alimentação, trabalho, seguridade social, cultura, educação e  

 

II) Direitos de procedimento, cujo exercício respalda uma melhor formulação de políticas ambientais, por exemplo, direito de liberdade, de associação, de acesso à informação, de participação na tomada de decisões, direito a um recurso efetivo.

 

Com relação ao direito de acesso à informação, a Corte IDH pontuou que os Estados devem garantir a consulta prévia, livre e informada (OIT 169) aos povos originários, tribais, comunidades afrodescendentes, campesinas e de pescadores, bem como deve incentivar a participação dessas comunidades, considerando a vulnerabilidade agravada desses povos frente à emergência climática.


Na análise do direito ao acesso à justiça o Tribunal trouxe um importante aspecto processual com relação às provas, pois assentou que as autoridades judiciais devem interpretar as regras probatórias de forma flexível, em conformidade com os princípios de disponibilidade probatória, cooperação processual, pro persona, pro natura e pro ação, para evitar a violação do acesso à justiça pelas vítimas, especialmente, aquelas vulneráveis. Ademais, trouxe a necessidade de se observar a possibilidade de disparidade de armas, com a utilização da inversão do ônus da prova, para garantir o acesso à justiça substancial.


No que tange ao direito ao meio ambiente saudável, a Corte IDH recordou que ele está protegido pelo art. 26, da CADH; que é um direito fundamental para a existência da humanidade; que possui conotações individuais (repercussão em outros direitos) e coletivas (interesse universal). Ademais, determinou que a proteção ao equilíbrio do ecossistema deve ser interpretada como um dever internacional imperativo e reconheceu a proibição imperativa de gerar danos massivos e irreversíveis ao meio ambiente.


Ademais, também, reconheceu que o dano ambiental climático é um dano transfronteiriço – conforme Opinião Consultiva 23, que tratou sobre os danos ambientais transfronteiriços 5. A Corte IDH citou o Caso Habitantes de La Oroya Vs. Perú 6, que reconheceu o direito ao ar limpo e à água, para reconhecer o direito ao clima saudável (direito a um sistema climático livre de interferências antropogênicas perigosas para os seres humanos e para a natureza), que possui conotações individuais e coletivas.


Na esteira de Constituições Latino-americanas, como da Bolívia e do Equador, a Corte reconheceu expressamente a importância do reconhecimento da natureza enquanto sujeito de direitos (manifestação contemporânea do princípio da interdependência entre os direitos humanos e ambientais e superação do enfoque antropocêntrico tradicional),  titular de proteção jurídica autônoma, permitindo, assim, o reconhecimento do direito de a natureza manter seus processos ecológicos essenciais contribuindo para a consolidação de um modelo de desenvolvimento verdadeiramente sustentável, que respeite os limites planetários e garanta a disponibilidade dos recursos vitais para as presente e futuras gerações (princípio da equidade intergeracional) – interpretação dos princípios pro persona e pro natura, orientados pelo princípio da vedação ao retrocesso em matéria ambiental e princípio da democracia ambiental.


Ainda, a Corte IDH determinou a obrigação de mitigação de emissões de gases de efeito estufa (GEE) baseada nos direitos humanos, como consequência, determinou aos Estados a obrigação de regular, supervisionar e fiscalizar as emissões gases de efeito estufa e requerer e aprovar estudos de impacto ambiental. Nesse sentido, os Estados devem 7:


a) estimular que todas as empresas domiciliadas em seu território adotem medidas efetivas para combater as mudanças climáticas e seus impactos sobre os direitos humanos;

b) promulgar legislação que obrigue as empresas a atuar com devida diligência em matéria de direitos humanos e mudanças climáticas, durante toda a cadeia produtiva;

c) exigir que empresas privadas e públicas divulguem de forma acessível as emissões de efeito estufa de sua cadeia produtiva;

d) requerer que as empresas adotem medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, abordando em todas as suas operações objetivos de mitigações climáticas;

e) desencorajar a denominada lavagem verde (greenwashing) – estratégia de marketing de promover produtos como sustentáveis, mas sem cumprir os requisitos legais 8 – e a influência indevida das empresas na esfera política e regulatória no âmbito ambiental;

f) apoiar ações dos defensores de direitos humanos.


Com relação aos defensores de direitos humanos, especialmente, em matéria ambiental, considerando a interseccionalidade, o Tribunal trouxe expressamente o direito de defender direitos, determinando aos Estados obrigações concretas de estabelecer ou reforçar programas nacionais de proteção, de investigação e julgamento, com sanções aos ataques, ameaças e intimidações, neutralizando a “criminalização” da defesa do meio ambiente – na esteira do Acordo de Escazú 9 (Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina: primeiro tratado de direitos humanos que dispõe sobre mecanismos específicos de proteção de defensores de direitos humanos em material ambiental).


Aos Estados, ainda, foi determinada a obrigação, de exigibilidade imediata, de definir e atualizar, de forma mais ambiciosa possível, uma meta e um plano de adaptação nacional, para proteger os direitos substantivos ameaçados pelos impactos climáticos, com medidas idôneas para reduzir as vulnerabilidades e aumentar a resiliência das pessoas, comunidades e ecossistemas, frente aos efeitos das mudanças climáticas.


Por fim, no que tange ao acesso a justiça, o Tribunal determinou que os Estados devem realizar o controle de convencionalidade com base nos standards desenvolvidos pela própria Corte, com base na sua jurisprudência, com particular observância da presente opinião consultiva e destacou que os standards desenvolvidos se aplicam a todos os Estados do Sistema Interamericano, pois são fruto da CADH, do Protocolo de San Salvador, da Declaração Americana de Direitos do Homem, da Carta da OEA e da Carta Democrática Interamericana – na esteira do Caso Almonacid Arellano Vs. Chile 10 e Caso Gelman Vs. Uruguai 11.


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Referências:


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Autora:


Vitória Fachin:

É Advogada, sócia fundadora do Escritório “Vitória Fachin: Advocacia e Consultoria Especializadas”; é especialista em Gestão Tributária pela USP/Esalq; está cursando Pós-Graduação em Direito Médico na Ebradi e é Coordenadora Jurídica e integrante da Diretoria, de forma voluntária, do Lar para Idosos Irmã Tereza (LAIITE), em Pedro Leopoldo/MG.

 

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