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DIREITO HUMANO AO CUIDADO

  • Foto do escritor: vitoria fachin
    vitoria fachin
  • 17 de set.
  • 5 min de leitura

A distribuição desigual do trabalho de cuidado não remunerado é uma forma de discriminação estrutural e sistêmica contra as mulheres, de acordo com a Corte IDH.


direito ao cuidado

 

17 de setembro de 2025

Vitória Fachin

 

No dia 12 de junho de 2025 a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) emitiu a Opinião Consultiva (OC) 31, sobre o conteúdo e o alcance do direito humano ao cuidado e sua interrelação com outros direitos. 1. Diante disso, passa-se à análise dos principais pontos trazidos pela Corte IDH.

 

Inicialmente, o direito ao cuidado, enquanto expressão direta do princípio da dignidade humana, corresponde a um conjunto de ações necessárias para preservar a vida e o bem-estar do ser humano, bem como é uma necessidade básica, da qual dependem tanto a existência da vida humana, como também a própria sociedade. Nesse sentido, a Corte IDH pontuou que o cuidado cumpre uma função individual e social.

 

O direito ao cuidado, então, foi reconhecido pela Corte IDH como direito autônomo, previsto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), a partir da leitura dos arts. 4º, 5º, 7 º, 11, 17, 19, 24, 26 e 1.1, da Convenção, bem como dos arts. I, II, VI, XI e XIV al XVI, da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, bem como dos arts. 34 e 35, da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA). Ademais, é um componente essencial e cumpre uma função instrumental para o efetivo exercícios de diversos direitos – reforçando a interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos.

 

O direito ao cuidado deve ser lido a partir de suas 3 dimensões básicas: ser cuidado, cuidar e autocuidado. À vista disso, a Corte IDH analisou as referidas dimensões, conforme segue:

 

a)      Direito de ser cuidado: todas as pessoas que têm algum grau de dependência têm o direito de receber atenção de qualidade, suficiente e adequada para viver com dignidade, de forma a garantir o bem-estar físico, espiritual, mental e cultural. Ademais, deve estar adaptado ao grau de dependência e necessidades particulares. Diante disso, o Estado deve adotar medidas para garantir o acesso efetivo aos serviços de cuidado, de acordo com o princípio da corresponsabilidade, à luz da autonomia das pessoas cuidadas e do direito à participação ativa nas decisões;

 

b)      Direito de cuidar: refere-se ao direito de prestar cuidados em condições dignas de forma remunerada ou não. Assim, as pessoas que exercem o cuidado devem ter respeitados seus direitos ao bem-estar físico, mental, emocional, espiritual e cultural. Diante disso, o Estado tem a obrigação de adotar medidas para garantir a conciliação da vida laboral com as responsabilidades familiares, bem como garantir que as pessoas que exercem o cuidado gozem dos mesmos direitos, em igualdade de condições e sem discriminação, garantidos aos demais trabalhadores;

 

c)      Direito ao autocuidado: refere-se tanto ao direito de quem cuida e de quem é cuidado de procurar seu próprio bem-estar e atender suas necessidades físicas, emocionais, mentais, espirituais e culturais. O conteúdo do referido direito está relacionado à necessidade de que essas pessoas disponham de tempo, espaço e recursos para cuidarem de si mesmas. Assim, o Estado tem a obrigação de adotar medidas para garantir as condições que permitam o exercício do autocuidado de forma autônoma, levando em consideração os obstáculos enfrentados pelos grupos historicamente discriminados.

 

Com isso, o direito ao cuidado está diretamente ligado ao direito ao desenvolvimento de um projeto de vida, reforçando a autonomia pessoal e inclusão na comunidade. Assim, o referido direito está relacionado aos princípios da solidariedade, da corresponsabilidade, da igualdade e não discriminação e da maior autonomia possível da pessoa cuidada.

 

Com relação ao princípio da solidariedade, entende que dele derivam uma dupla responsabilidade da família, da sociedade civil, da comunidade, das pessoas jurídicas e do Estado: a primeira relacionada ao dever de assistir, apoiar e cuidar das pessoas que têm algum grau de dependência e a segunda no sentido de apoiar as pessoas que exercem o cuidado, seja de forma remunerada ou não, assegurando que contem com as condições necessárias para prestar devidamente os cuidados, bem como que o trabalho de cuidado seja reconhecido e disponham de apoios para aliviar os encargos da prestação dos cuidados. Diante disso, a Corte IDH considerou que a valorização social do cuidado constitui uma obrigação jurídica derivada do princípio da solidariedade.

 

Já com relação ao princípio da corresponsabilidade, o direito ao cuidado é de responsabilidade solidária da família, da sociedade, das pessoas jurídicas e do Estado, garantindo as atividades da vida cotidiana. Portanto, deve ser entendido como uma rede de cuidados.

 

Além disso, uma das principais questões envolvendo o direito ao cuidado é a distribuição desigual do cuidado. Diante disso, o princípio da responsabilidade familiar deve ser entendido como o respeito à necessidade de divisão igualitária e solidária dos deveres de cuidados não remunerados por parte dos homens e mulheres, no âmbito doméstico – homens e mulheres têm responsabilidades iguais de cuidado.

 

Nesse sentido, a Corte IDH pontuou que a distribuição desigual de cuidados deriva de estereótipos negativos de gênero e padrões socioculturais de condutas, razão pela qual o trabalho de cuidado não remunerado recai de forma desproporcional sobre as mulheres, que realizam o trabalho de cuidado não remunerado 3 vezes mais que os homens, situação essa agravada pela interseccionalidade (conjugação de fatores de discriminação). Com isso, os Estados estão obrigados a implementar políticas públicas orientadas para reversão dos referidos estereótipos negativos de gênero e padrões socioculturais de conduta.

 

Ademais, a Corte IDH constatou que a distribuição desigual do trabalho de cuidado não remunerado sustentada por estereótipos negativos de gênero constitui uma forma de discriminação estrutural e sistêmica contra as mulheres, bem como representa um obstáculo ao exercício dos direitos em condições de igualdade, em especial, o direito ao trabalho, seguridade social e educação.  

 

No que diz respeito ao direito de as crianças e adolescentes de receberem cuidados, a Corte IDH recordou que os Estados devem garantir a efetividade do princípio da corresponsabilidade parental. Ademais, determinou que os Estados devem estabelecer um marco jurídico de cuidados orientado a garantir o acesso de crianças e adolescentes, em condições de igualdade, aos serviços de cuidados, quando esses não podem ser prestados por seus genitores, por exemplo, com o fortalecimento de iniciativas comunitárias e criação de espações de cuidados (creches).

 

Em relação às crianças institucionalizadas, a Corte IDH pontuou que, em qualquer modalidade de institucionalização, deverão ser observados os princípios da ultima ratio, da necessidade, excepcionalidade e temporalidade em relação à eventual separação da família, garantindo a revisão periódica.

 

Por fim, a Corte IDH também se pronunciou sobre o direito ao cuidado das pessoas com deficiência e pontuou que a partir de um enfoque social da deficiência, à luz dos direitos humanos, a deficiência deve ser reconhecida como uma construção social que ocorre no contexto em que as pessoas com diversidade funcional (física, mental, intelectual ou sensorial) se desenvolvem, e não por causa dessa condição em si. Diante disso, as pessoas com deficiência devem ter suas necessidades atendidas por meio de atenção e, principalmente, apoio, à luz da autonomia, independência e proibição à violência.

 

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Referências:

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Autora:

Vitória Fachin:

É Advogada, sócia fundadora do Escritório “Vitória Fachin: Advocacia e Consultoria Especializadas”; é especialista em Gestão Tributária pela USP/Esalq; está cursando Pós-Graduação em Direito Médico na Ebradi e é Coordenadora Jurídica e integrante da Diretoria, de forma voluntária, do Lar para Idosos Irmã Tereza (LAIITE), em Pedro Leopoldo/MG.

 

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