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O DIREITO AOS ALIMENTOS E A PERSPECTIVA DE GÊNERO

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    vitoria fachin
  • 27 de nov. de 2024
  • 13 min de leitura

Atualizado: 24 de fev.

A perspectiva de gênero como filtro interpretativo de decisões que fixam os alimentos, sob a ótima do direito humano ao cuidado – capital invisível investido na maternidade.


direito aos alimentos com perspectiva de gênero
capital invisível investido na maternidade

Vitória Fachin

27 de novembro de 2024


À luz do problema estrutural enfrentado pelo Brasil relativo à desigualdade de gênero –situação, inclusive, já constatada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Maria da Penha vs. Brasil; pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), no Caso Barbosa de Souza vs. Brasil e pelo Comitê CEDAW da ONU, no Caso Alyne Pimentel vs. Brasil 1 –, o CNJ editou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, por meio da Portaria 27/21 2, Resolução 492/2023 3. Nesse sentido, o julgamento com perspectiva de gênero é prática que deve ser implementada pelo Poder Judiciário brasileiro, pois a igualdade de gênero, também, é um dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável - Agenda 2030 da ONU 4.


Com isso, será analisada, no presente artigo, a fixação dos alimentos com perspectiva de gênero, trazendo à discussão recentes decisões de Tribunais de Justiça do país que vêm, de forma inovadora, interpretando o direito aos alimentos a partir da ótica do direito ao cuidado.

À vista disso, é essencial constatar que o papel do cuidado, na sociedade brasileira, é estigmatizado como de responsabilidade da mulher, em especial, da mulher que é mãe, que realiza um trabalho invisível aos olhos da sociedade. Neste contexto, o IBGE, em 2022 5, constatou que mulheres dedicaram 9,6 horas a mais por semana do que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas.


Dessa forma, o direito ao cuidado deve ser visto como um capital social – capital invisível investido na maternidade –, assim, é essencial considerar o trabalho com o cuidado realizado pelas mulheres e seus impactos na dinâmica da vida, tendo em vista que o acúmulo de funções acarreta um custo social para a carreira profissional da mulher, como também, para a sua remuneração e seu desenvolvimento, em especial, para as mulheres que são mães 6.


É nesse sentido que a doutrinadora e professora Ana Cecília de Oliveira Bitarães, em seu livro “Por uma Lente de Cuidados: do mundo simbólico ao ecofeminismo, com suas interações no Direito do Trabalho e no Direito Previdenciário” 7 – essencial para entender o capital invisível investido na maternidade –, disserta com maestria sobre o papel do cuidado e a estigmatização da mulher, conforme segue:


Dentro da divisão sexual do trabalho, nasce, como sua espinha dorsal explicativa para a tão grave desigualdade fática entre os gêneros, a “divisão social de cuidados”. Essa divisão leva a marginalização das mulheres como responsáveis exclusivas pelas atividades de cuidados, sob justificativa inapropriadas quanto a uma suposta natureza ou morfologia do corpo. As mulheres, tidas como as responsáveis pelo trabalho de cuidado, acabam utilizando do tempo de “não trabalho produtivo”, para realizações do trabalho reprodutivo. Tempo livre e oportunidades de investimento na própria carreira são delas sequestrados, o que mina ascensão profissional e o próprio exercício de autocuidado. (grifo nosso)


Nesta perspectiva, é válido ressaltar que a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW) 8, prevê que os Estados devem adotar medidas para modificar o padrão cultural; a perspectiva sobre as responsabilidades decorrentes do cuidado; a perspectiva sobre a maternidade, conforme segue:


Artigo 5o - Os Estados-Partes tomarão todas as medidas apropriadas para: a) modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação dos preconceitos e práticas consuetudinárias, e de qualquer outra índole que estejam baseados na idéia de inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres; b) garantir que a educação familiar inclua uma compreensão adequada da maternidade como função social e o reconhecimento da responsabilidade comum de homens e mulheres no que diz respeito à educação e ao desenvolvimento de seus filhos, entendendo-se que o interesse dos filhos constituirá a consideração primordial em todos os casos.


No mesmo sentido é a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará) 9:


Artigo 6, b - o direito da mulher a ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento de comportamento e costumes sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade ou subordinação. Artigo 8, b - modificar os padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres, inclusive a formulação de programas formais e não formais adequados a todos os níveis do processo educacional, a fim de combater preconceitos e costumes e todas as outras práticas baseadas na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher, que legitimem ou exacerbem a violência contra a mulher;


Também, é nesse sentido o Objetivo 5.4, da Agenda 2030 da ONU 10:


Reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e doméstico não remunerado, por meio da disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção social, bem como a promoção da responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família, conforme os contextos nacionais.


Ademais, o direito ao cuidado enquanto Direito Humano está em pauta na Corte IDH 11, que apresentará opinião consultiva sobre o tema, inclusive, no sentido dos impactos desproporcionais enfrentados pelas mulheres no cuidado de outras pessoas. Nesta ótica, verifica-se que as Defensorias Públicas no país têm papel de destaque na promoção da igualdade de gênero, bem como, na defesa do direito ao cuidado, enquanto Direito Humano, por exemplo, com a brilhante atuação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que apresentou parecer sobre o tema à Corte IDH 12.


Dessa forma, à luz das obrigações internacionais assumidas pelo Brasil é necessário que o Poder Judiciário utilize como filtro judicial (vetor interpretativo para prolação das decisões) a perspectiva de gênero, garantindo o cumprimento pelo país dos tratados de Direitos Humanos internalizados.


É nessa perspectiva, sob a ótica dos Direitos Humanos, que o Direito deve avançar.


Desse modo, o Poder Judiciário tem como uma de suas funções a concretização de direitos, por meio de interpretações judiciais que sejam pluralisticamente integradoras – contribuindo para a contínua construção da democracia.


Diante disso, a fixação dos alimentos com perspectiva de gênero vem concretizar o princípio da parentalidade responsável – art. 226, §7º, da Constituição da República – garantindo força normativa à Constituição, ao garantir a efetivação dos fundamentos e objetivos da República, como Dignidade Humana; construção de uma sociedade justa e solidária; redução das desigualdades sociais e promoção de uma sociedade sem preconceitos – art. 1º, III, 3º, I. III e IV, da Constituição da República 13.


À vista disso, a perspectiva de gênero na fixação dos alimentos irá fortalecer o trinômio proporcionalidade-possibilidade-necessidade, demonstrando que a proporcionalidade e a possibilidade devem ser verificadas não apenas sob a ótica financeira de cada genitor, mas também, sob a ótica do direito ao cuidado.


Nesta quadra, diversas decisões judiciais vêm considerando a perspectiva de gênero na fixação dos alimentos. É nesse sentido o item 33, da Edição n. 138, de 15 de Abril de 2024, do Informativo de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina 14:


De fato, quando os filhos, sobretudo aqueles de tenra idade, residem com apenas um dos genitores (como no presente caso, com a mãe), as atividades domésticas ficam inteiramente a cargo daquele que exerce a guarda fática. Em termos específicos, apenas a genitora ficará com o encargo de exercer efetivamente a maternagem ao zelar pela alimentação de seus filhos, pela limpeza e manutenção da casa, pelos vestuários e demais pertences dos infantes, devendo ainda assegurar-lhes o transporte às atividades necessárias, às consultas médicas etc. Tais atividades são indispensáveis ao bem-estar e desenvolvimento integral das crianças e certamente exigem disponibilidade de tempo e dedicação maior daquele que exerce a guarda fática. Trata-se de esforço e trabalho que não podem ser ignorados, mas devem, isso sim, ser devidamente sopesados para o cálculo da obrigação alimentícia do genitor, como forma de concretização do princípio da parentalidade responsável. É inquestionável que a ausência do indíviduo corresponsável pela criação dos filhos gera uma sobrecarga àquele que o faz sozinho, retirando deste último - que, na maioria das vezes, é a mulher -, oportunidades no mercado de trabalho, no aperfeiçoamento cultural, na vida pública e até mesmo nos momentos de lazer. A propósito, em atenção a essa realidade, o Conselho Nacional de Justiça instituiu o "Protocolo Para Julgamento Com Perspectiva de Gênero", o qual deve ser aplicado ao Direito da Família e das Sucessões [...]Ainda, impende destacar que "o princípio da parentalidade responsável (artigo 226, § 7º, da Constituição Federal) - concretizado por meio do pagamento de alimentos fixados em montante proporcional aos esforços da mulher, com a realização de trabalhos domésticos e diários na educação da criança - é um instrumento de desconstrução da neutralidade epistêmica e superação histórica de diferenças de gêneros, de identificação de estereótipos presentes na cultura que comprometem a imparcialidade jurídica, de promoção da equidade do dever de cuidado de pai e mãe no âmbito familiar, além de ser um meio de promoção de direitos humanos e de justiça social (artigos 4º, inc. II, e 170, caput, da Constituição Federal). [TJPR - 12ª Câmara Cível - 0013506-22.2023.8.16.0000 - Rio Branco do Sul - Rel.: EDUARDO AUGUSTO SALOMAO CAMBI - J. 02.10.2023]".[...] Em atenção ao princípio da parentalidade responsável em consonância com a equidade de gênero, e considerando as informações e provas contidas neste caderno processual sobre as condições financeiras da parte requerida, a inexistência de despesas extraordinárias dos infantes e o fato de que ambos os pais são obrigados a concorrer para o sustento dos filhos na proporção dos seus recursos (CC, art. 1.568 e art. 1.703), fixo os alimentos definitivos em 57% do salário mínimo nacional vigente para cada infante, o que corresponde, nesta data, a R$ 804,84 para cada criança, totalizando o importe de R$ 1.609,68 mensais, isto é, o valor do salário mínimo vigente, mais 14%, conforme requerimento inicial, majorando, assim, o quantum fixado a título provisório na decisão de evento 57. [...]Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I do Código de Processo Civil, julgo procedente o pedido formulado na inicial e, em consequência, fixo alimentos definitivos em favor dos infantes ****** (gêmeos, com 5 anos de idade), no importe de 114% do salário mínimo vigente (R$ 1.609,68), sendo 57% para cada filho, a ser pago pelo genitor ********, por meio de depósito bancário na conta informada pelos requerentes na petição inicial. Condeno o requerido, por sucumbente, ao pagamento das custas processuais e, ainda, dos honorários advocatícios ao patrono da parte autora, no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, isto é, de 10% (dez por cento) sobre o valor anual dos alimentos ora fixados, corrigido monetariamente (INPC) desde o trânsito em julgado da sentença e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde o término do prazo para pagamento voluntário em eventual cumprimento de sentença (art. 85, §2º, do CPC), considerado o trabalho desenvolvido. Processo: 5001163-30.2023.8.24.0017 (Sentença). Juíza: Andréia Cortez Guimarães Parreira. Origem: Dionísio Cerqueira. Data de Julgamento: 18/03/2024. Classe: Procedimento Comum Cível.


Também é nesse sentido decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, no bojo da ação de alimentos n° 1018311-98.2023.8.26.0007, do juízo da 3ª Vara da Família e Sucessões de São Paulo/SP, publicada em 08/01/2024 15:


No caso, a magistrada singular considerou a existência da “divisão sexual do trabalho”, que atenta-se ao trabalho de cuidado diário exercido com exclusividade pela genitora detentora da guarda, no que diz respeito à casa (limpeza, lavanderia, compras de mercado) e ao filho (higiene, alimentação, cuidados com a saúde). 

Como destacou a magistrada, “historicamente, em nossa sociedade, atribui-se aos homens o trabalho produtivo e remunerado, enquanto que às mulheres é relevado o trabalho interno denominado 'economia de cuidado', geralmente desvalorizado. Referida condição deve ser observada nos julgamentos efetuados pelos magistrados do pais e é adotado por este juízo.


Nesse sentido, também, decisão do Tribunal de Justiça do Paraná, de Relatoria do Desembargador Eduardo Augusto Salomão Cambi, 12a Câmara Cível, no processo n. 0013506-22.2023.8.16.0000, publicado no dia 02/10/2023 16, que considerou o trabalho doméstico e de cuidado realizado pelas mães, para fins de aplicação do princípio da proporcionalidade, no cálculo dos alimentos:


DIREITO DAS FAMÍLIAS. direitos humanos. AÇÃO DE ALIMENTOS C/C REGULAMENTAÇÃO DE CONVIVÊNCIA. tutela provisória de urgência. DECISÃO recorrida. fixação dos ALIMENTOS PROVISÓRIOS EM 50% DO SALÁRIO MÍNIMO AOS TRÊS FILHOS MENORES DE IDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO INTERPOSTO PELA MÃE. PLEITO DE fixação de ALIMENTOS PROVISÓRIOS EM 33% DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS DO AGRAVADO. OBSERVÂNCIA DO TRINÔMIO ALIMENTAR (POSSIBILIDADE-NECESSIDADE-PROPORCIONALIDADE). FILHOS EM IDADE INFANTIL. NECESSIDADE PRESUMIDA. TRABALHO doméstico DE CUIDADO diário e NÃO REMUNERADO da mulher. CONSIDERAÇÃO NO CÁLCULO DA proprocionalidade dos alimentos. adoção do protocolo de julgamento com perspectiva de gênero do conselho nacional de justiça. aplicação do PRINCÍPIO DA parentaliadade responsável. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

1. A fixação dos alimentos deve obedecer a uma perspectiva solidária entre pais e filhos, pautada na ética do cuidado e nas noções constitucionais de cooperação, isonomia e justiça social, uma vez que se trata de direito fundamental inerente à satisfação das condições mínimas de vida digna, especialmente para crianças e adolescentes que, em virtude da falta de maturidade física e mental, são seres humanos vulneráveis, que necessitam de especial proteção jurídica. Exegese dos artigos 3º, inc. I, 6º e 229 da Constituição Federal, conjugado com os artigos 1.566, inc. IV, 1.694 e 1.696 do Código Civil, e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas, Recomendação nº 123/2022 do Conselho Nacional de Justiça e Precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos – Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala (1999).2. O arbitramento judicial dos alimentos, devidos pelos pais para a manutenção dos filhos, deve observar a equação necessidades do alimentado, capacidade financeira ou possibilidade econômica dos alimentantes e a proporcionalidade dos recursos de cada genitor. Exegese dos artigos 1.566, inc. IV, 1.694, § 1º, e 1.703 do Código Civil.3. Pela concepção finalística (e não institucional) e eudemonista, adotada na Constituição Federal de 1988, a família, como refúgio afetivo, é um meio de proteção dos direitos humanos-fundamentais, um instrumento à serviço da promoção da dignidade e do desenvolvimento humano, baseado no respeito mútuo, na igualdade e na autodeterminação individual, devendo assegurar a realização pessoal e a busca da felicidade possível aos seus integrantes. Interpretação do artigo 226, § 8º, 1ª parte, da Constituição Federal. 4. As relações familiares, porque marcadas pelo princípio da afetividade e sua manifestação pública (socioafetividade), devem estar estruturadas no dever jurídico do cuidado (que decorre, por exemplo, da liberalidade de gerar ou de adotar filhos) e na ética da responsabilidade (que, diferentemente da ética da convicção, valida comportamentos pelos resultados, não pela mera intenção) e da alteridade (que se estabelece no vínculo entre o “eu” e o “outro”, em que aquele é responsável pelo cuidado deste, enquanto forma de superação de egoísmos e narcisismos, causadores de todas as formas de situações de desentendimentos, intolerância, discriminações, riscos e violências, que trazem consequências nocivas principalmente para os seres humanos mais vulneráveis, como crianças, adolescentes, pessoas com deficiência, meninas/mulheres e idosos). Incidência dos artigos 229 da Constituição Federal e 1634, inc. I, e 1.694 do Código Civil. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Literatura jurídica. 5. Quando os filhos em idade infantil residem com a mãe, as atividades domésticas, inerentes ao dever diário de cuidado (como o preparo do alimento, a correção das tarefas escolares, a limpeza da casa para propiciar um ambiente limpo e saudável) - por exigirem uma disponibilidade de tempo maior da mulher, sobrecarga que lhe retira oportunidades no mercado de trabalho, no aperfeiçoamento cultural e na vida pública - devem ser consideradas, contabilizadas e valoradas, para fins de aplicação do princípio da proporcionalidade, no cálculo dos alimentos, uma vez que são indispensáveis à satisfação das necessidades, bem-estar e desenvolvimento integral (físico, mental, moral, espiritual e social) da criança. Inteligência dos artigos 1º e 3º, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) c/c artigo 3.2 da Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas. 6. O princípio da parentalidade responsável (artigo 226, § 7º, da Constituição Federal) - concretizado por meio do pagamento de alimentos fixados em montante proporcional aos esforços da mulher, com a realização de trabalhos domésticos e diários na educação da criança - é um instrumento de desconstrução da neutralidade epistêmica e superação histórica de diferenças de gêneros, de identificação de estereótipos presentes na cultura que comprometem a imparcialidade jurídica, de promoção da equidade do dever de cuidado de pai e mãe no âmbito familiar, além de ser um meio de promoção de direitos humanos e de justiça social (artigos 4º, inc. II, e 170, caput, da Constituição Federal). 7. A presunção das necessidades de crianças e adolescentes à percepção de alimentos é uma técnica processual de facilitação da prova e de persuasão racional do juiz na promoção dos direitos fundamentais, para o desenvolvimento humano integral. Interpretação do artigo 373, inc. I, do Código de Processo Civil em conformidade com os artigos 5º, inc. XXXV e § 2º, da Constituição Federal, 4º da Convenção dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU) e 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos.8. A análise do montante ideal da pensão alimentícia, em relação às reais necessidades dos alimentandos, as condições econômicas do alimentante e a distribuição proporcional dos ônus financeiros decorrentes da paternidade/maternidade responsável, pode ser examinada em um momento processual futuro, diante do aprofundamento da discussão pelo exercício efetivo do contraditório e da ampla defesa, quando da confrontação pelo juiz, em decisão interlocutória posterior ou na sentença, da suficiência de argumentos e provas. Precedente do Superior Tribunal de Justiça.9. Recurso conhecido e provido, para readequar o valor da prestação alimentícia para o correspondente a 33% dos rendimentos líquidos do alimentante (salário bruto, excluídos apenas os descontos obrigatórios), aí incluídos valores referentes a férias, 13º salário e adicionais permanentes. (grifos nossos)


Posto isso, a interpretação do direito aos alimentos deve ser conforme a Constituição da República e os Tratados de Direitos Humanos internalizados pelo Brasil. Assim, as decisões judiciais que fixam os alimentos não devem mais ser interpretadas apenas com base na remuneração do alimentante e na necessidade do alimentando, mas também, com base do direito ao cuidado, sob a ótica da perspectiva de gênero.


Isso porque, conforme exposto, o direito aos alimentos está atrelado necessariamente à dinâmica social, à estrutura da sociedade, que é patriarcal e opressora. Com isso, o Poder Judiciário tem um importante papel de romper com estigmas e preconceitos arraigados na sociedade, buscando a evolução constante, aplicando como norte o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.


Portanto, os precedentes mencionados deverão servir de guia, norte e inspiração para a fixação dos alimentos por todas as Varas de Família do país, para que seja, de fato, observado o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ e o Brasil possa avançar no combate à desigualdade de gênero – desigualdade essa que é a base da sociedade brasileira.

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Referências:

7.      Ana Cecília de Oliveira Bitarães. 1.ed. -Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido, 2022, pg. 53

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Autora:

Vitória Fachin:

É Advogada, sócia fundadora do Escritório “Vitória Fachin: Advocacia e Consultoria Especializadas”; é especialista em Gestão Tributária pela USP/Esalq; está cursando Pós-Graduação em Direito Médico na Ebradi e é Coordenadora Jurídica e integrante da Diretoria, de forma voluntária, do Lar para Idosos Irmã Tereza (LAIITE), em Pedro Leopoldo/MG.


 



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