CASO BEATRIZ VS. EL SALVADOR - CORTE IDH - VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
- vitoria fachin
- 25 de fev.
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Atualizado: 27 de mar.

Vitória Fachin
25 de fevereiro de 2025.
No dia 22 de novembro de 2025 a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), no Caso Beatriz e outros Vs. El Salvador, condenou o Estado pela violação do dever de devida diligência; garantia de acesso aos recursos judiciais efetivos; integridade pessoal, de saúde e de vida privada, em relação à Beatriz, mulher que durante a gravidez passou por vários riscos, em uma situação de violência obstétrica, acarretada pela insegurança jurídica e legal em relação à atuação dos médicos responsáveis pelo caso 1.
O referido caso foi apresentado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) à Corte IDH, em 2022, em razão de o Estado de El Salvador proibir de forma absoluta a interrupção voluntária da gravidez 2. Diante disso, a comunidade jurídica aguardava a referida sentença com grande expectativa, pois esperava-se que a Corte IDH iria se pronunciar sobre o direito ao aborto. Todavia, a Corte IDH não se pronunciou sobre o direito ao aborto, apenas analisou o caso sob a ótica da violação ao direito à saúde e violência obstétrica.
Essa expectativa advinha, principalmente, da admissibilidade do caso pela CIDH, visto que em seu relatório de mérito havia recomendado ao Estado o seguinte:
“adotar medidas legislativas para estabelecer a possibilidade de interromper uma gravidez em situações de inviabilidade ou incompatibilidade da vida extrauterina do feto, bem como quando há riscos graves para a vida, a saúde e a integridade física da mãe; adotar todas as medidas necessárias, incluindo a formulação de políticas públicas, programas de treinamento, protocolos e estruturas de orientação para assegurar que o acesso à interrupção da gravidez como consequência da adaptação legislativa acima mencionada seja eficaz na prática, e que não sejam gerados obstáculos de fato ou de jure que afetem sua implementação” Ibid
Nesse sentido, é válido mencionar que a CIDH tem posicionamento no sentido de que o art. 4º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) é compatível com a descriminalização do aborto, ainda que a CADH proteja o direito à vida, em geral, desde a concepção. O referido posicionamento da CIDH foi feito com base na jurisprudência da Corte IDH, no Caso Artavia Murillo e outros Vs. Costa Rica, também conhecido como Fecundação in Vitro.
A CIDH, no Caso Beatriz e outros Vs. El Salvador, pontou que a criminalização do aborto, em especial, sua absoluta vedação, pode fazer com que as mulheres recorram a procedimentos clandestinos – abortos ilegais e inseguros –, colocando em risco sua vida e saúde. Ibid
À vista disso, é necessário analisar o pano de fundo do presente caso.
A vítima era mulher jovem que padecia de diversas enfermidades com lúpus eritematoso sistêmico, nefropatia lúpica e artrite reumatoide. Além disso, na primeira gestação tinha ocorrido pré-eclâmpsia, fato que levou à submissão de cesariana e nascimento prematuro do filho – histórico de saúde que já indicava gravidez de risco.
Ocorre que, para além dos problemas de saúde o feto da segunda gestação foi diagnosticado com anencefalia – condição incompatível com a vida extrauterina –, quando Beatriz estava ainda com 11 semanas de gravidez. Diante disso, a vítima passou por um longo e burocrático processo, para verificar se os médicos poderiam ou não realizar um procedimento de interrupção terapêutica da gravidez.
As conclusões da Corte Constitucional do Estado de El Salvador foram no sentido que a demanda de Beatriz não tinha amparo no ordenamento jurídico, não solucionando o caso.
Todavia, quando Beatriz já estava com 26 semanas de gravidez precisou ser submetida com urgência à cesariana, juntamente com procedimento de esterilização consentida e o feto veio a falecer 5 horas após o parto, em consequência da anencefalia.
É válido mencionar que meses depois Beatriz veio à óbito. Todavia, a Corte IDH decidiu que não foi comprovado nexo causal entre a morte e o parto, tendo em vista que a vítima foi hospitalizada em razão de acidente de trânsito.
Diante do quadro fático, a Corte IDH assentou sua decisão no direito à saúde, em especial, durante a gravidez, parto e puerpério, decidindo que a falta de atenção médica adequada e problemas de acessibilidade a certos procedimentos violaram o art. 5.1, da CADH, bem como pontuou que as mulheres em contexto de gravidez podem ser submetidas a práticas prejudiciais e situações específicas de violências e maus tratos.
Ademais, asseverou que as circunstâncias médicas da vítima impunham um dever de especial proteção em seu favor. Além disso, a falta de certeza jurídica, em razão de o Estado, à época, não possuir protocolos de atuação médica para atender ao referido caso, obrigaram a burocratização e judicialização do caso, que acarretaram diversas soluções contraditórias, o que colocou em risco a saúde da vítima, em especial, em razão da falta de protocolos para dar segurança jurídica aos profissionais de saúde, para garantirem o direito de proteção à vida e saúde de mulheres grávidas, violando, assim, os arts. 2º, 5º, 11 e 26, todos da CADH, bem como o art. 7º, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará).
Além disso, a Corte IDH condenou o Estado pela violação ao direito a um recurso efetivo, em razão da situação de insegurança jurídica, visto que a Corte Constitucional não trouxe soluções claras e diligentes, o que violou o art. 25.1, da CADH.
Portanto, a Corte IDH estabeleceu medidas de reparação ao Estado como: medidas de reabilitação (disponibilizar tratamento médico e psicológico aos familiares que solicitarem); medidas de satisfação (publicação da sentença e resumo); garantias de não repetição (adoção de medidas normativas necessárias para fornecer orientações de atuação médica e judicial em situações de gravidez que coloquem em risco a vida e a saúde da mulher – o Estado poderá cumprir essa medida por meio de adequação dos protocolos já existentes ou outra medida normativa que garanta a segurança jurídica –, bem como deverá elaborar um plano de capacitação dos profissionais de saúde) e medidas de indenização pelos danos materiais e imateriais, bem como reembolso das custas.
Pelo exposto, verifica-se que a Corte IDH não ordenou ao Estado que adotasse medidas legislativas para assegurar a interrupção da gravidez em situações de inviabilidade ou incompatibilidade de vida extrauterina, conforme a CIDH havia recomendado ao Estado.
Por fim, a título de informação, o Comitê CEDAW, da ONU, na Recomendação 35, item 18, entende que a criminalização do aborto é forma de violência de gênero. 3
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Referências:
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Autora:
Vitória Fachin:
É Advogada, sócia fundadora do Escritório “Vitória Fachin: Advocacia e Consultoria Especializadas”; é especialista em Gestão Tributária pela USP/Esalq; está cursando Pós-Graduação em Direito Médico na Ebradi e é Coordenadora Jurídica e integrante da Diretoria, de forma voluntária, do Lar para Idosos Irmã Tereza (LAIITE), em Pedro Leopoldo/MG.
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