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BRASIL É NOVAMENTE CONDENADO NO SISTEMA INTERAMERICANO - Caso dos Santos Nascimento e Ferreira Gomes Vs. Brasil

  • Foto do escritor: vitoria fachin
    vitoria fachin
  • 24 de fev.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 25 de fev.

Racismo estrutural e institucional.


Caso dos Santos Nascimento e Ferreira Gomes Vs. Brasil - racismo estrutural e institucional

Vitória Fachin 24 de fevereiro de 2025



No dia 20 de fevereiro de 2025 o Brasil e as vítimas foram notificadas 1 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), da sentença prolatada no dia 07 de outubro de 2024, no Caso dos Santos Nascimento e Ferreira Gomes Vs. Brasil. A Corte IDH condenou o Brasil pela falta de diligência reforçada na investigação da violação ao direito à igualdade e à não discriminação em razão de raça e cor sofrida por Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes 2.


Nesse sentido, a Corte IDH considerou que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e o Ministério Público, em certa medida, foram responsáveis pela reprodução do racismo estrutural e institucional, em razão de suas condutas e omissões na condução do processo e do padrão probatório, que ensejaram a revitimização das vítimas, bem como contribuíram para “perpetuar os elevados índices de impunidade da discriminação racial contra a população afrodescendente, num contexto de discriminação estrutural.” Ibid


Diante disso, o Brasil violou os seguintes direitos: às garantias judiciais; a igualdade perante a lei; a proteção judicial; o dever de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH); direito ao trabalho; integridade pessoal; direito à vida com dignidade; proteção à honra e dignidade; acesso à justiça – arts., 1.1, 8.1, 24, 25.1 e 26, 5, 7, 11, todos da CADH.


Ademais, a Corte IDH concluiu que o Brasil “é responsável pela afetação do projeto de vida” Ibid – art. 4, CADH.


O Brasil reconheceu de forma parcial “sua responsabilidade pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial devido ao não processamento célere da apelação interposta pelas vítimas e o indevido reconhecimento da prescrição do crime do racismo.” Ibid


À vista disso, é necessário analisar o pano de fundo do referido caso. No ano de 1998 as vítimas – mulheres afrodescendentes – pleitearam a candidatura à vaga de pesquisadora, na sede de segurança médica (NIPOMED), em São Paulo – vaga que havia sido divulgada em jornal. Ocorre que, o recrutador se recusou a registrá-las alegando o preenchimento de todas as vagas.


Todavia, no mesmo dia, uma pessoa de pele branca se candidatou para o cargo e foi contratada imediatamente. Além disso, o recrutador requereu à recém-contratada a indicação de “pessoas como ela”, pois ainda existiam muitas vagas a serem preenchidas.


Diante disso, as vítimas se dirigiram novamente à empresa para novamente se candidatarem ao cargo e o recrutador informou que iria contratá-las futuramente – o que nunca ocorreu.

Com isso, as vítimas apresentaram notícia-crime, foi aberta investigação, o MP denunciou o recrutador, com base no art. 4º, da Lei 7716 e, em alegações finais, requereu a condenação. Todavia, o juiz absolveu o acusado, declarando de ofício a extinção da punibilidade pela prescrição, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal.


Nesse sentido, o MP embargou da decisão alegando a imprescritibilidade do crime de racismo, conforme previsto constitucionalmente, fato esse que fez com que o juiz acolhesse os embargos e condenasse o acusado a pena em regime inicial semiaberto.


Ocorre que, em 2007, o acusado ajuizou revisão criminal, perante o Tribunal de Justiça, alegando que estava cumprindo ordens, ou seja, sua conduta omissa para com as vítimas era de responsabilidade dos seus chefes – o que levou ao Tribunal julgar procedente a revisão criminal, absolvendo o acusado.


Nesta quadra, a Corte IDH decidiu que a investigação, o julgamento e a punição de crimes de racismo – incompatíveis com o direito à não discriminação com base na raça e cor – devem seguir um padrão de diligência reforçada, conforme segue:


i) as delegacias de polícia ou outros órgãos públicos que recebam denúncias e investiguem delitos relacionados ao racismo registrem imediatamente as denúncias e processem as investigações de forma rápida, eficaz, independente e imparcial; ii) que notifiquem as demais autoridades do Estado competentes para examinar e/ou decidir sobre fatos discriminatórios alegados, como as autoridades da área trabalhista; iii) que os funcionários competentes que se recusarem ou se omitirem a receber uma denúncia de racismo sejam submetidos a processos disciplinares; iv) o papel da suposta vítima, dos parentes próximos e das testemunhas seja reconhecido, fornecendo à suposta vítima acesso às informações e permitindo que ela conteste as provas e informando-a sobre o andamento do processo; v) as autoridades competentes avaliem as provas circunstanciais minuciosamente, especialmente quando elas fizerem parte de um contexto de discriminação estrutural, e tomem as medidas necessárias para coletar provas adicionais nos casos em que a suposta vítima estiver em desvantagem para fazê-lo; vi) a suposta vítima seja tratada sem discriminação ou preconceito com base em estereótipos negativos, respeitando sua dignidade e assegurando, em particular, que as audiências, interrogatórios e outros atos processuais em que ela participe sejam conduzidos com a sensibilidade necessária; vii) as autoridades se abstenham de fundamentar suas decisões em argumentos baseados em estereótipos discriminatórios; viii) seja assegurada a conclusão de um processo com as devidas garantias em um prazo razoável; ix) seja garantida à suposta vítima uma reparação justa e adequada pelos danos sofridos com base na determinação de que ocorreu uma conduta incompatível com o direito à não discriminação com base em raça ou cor. Ibid


A Corte IDH pontuou que tanto a sentença de primeiro grau, como o acórdão do Tribunal concluíram que não havia provas suficientes da existência de um tratamento discriminatório – conclusões essas baseadas em um padrão probatório das autoridades brasileiras, ou seja, incumbir o ônus da prova da acusação às vítimas de racismo. Com isso, verificou-se que não houve por parte das autoridades brasileiras uma análise reforçada das evidências e depoimentos.


No que tange à conduta do MP, a Corte IDH decidiu que houve violação no dever de interposição de recurso contra a sentença absolutória.


A Corte asseverou que as condutas do Tribunal de Justiça, bem como do MP causaram um impacto profundo no direito de o Estado fornecer acesso à justiça em condições de igualdade, em um contexto de discriminação estrutural e racismo institucional.


Com isso a Corte constatou que o referido caso se trata de uma violação interseccional, ou seja, múltiplas vulnerabilidades que recaem sobre uma mesma pessoa, conforme segue: “pessoas afrodescendentes no Brasil têm sido submetidas à discriminação racial estrutural e ao racismo institucional, que também se manifestam no acesso ao trabalho e à justiça. Tal realidade submete estas pessoas a uma situação de extrema vulnerabilidade, de modo que o risco de os seus direitos serem afetados é elevado. Ademais, constatou que em Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes convergiam outras desvantagens estruturais que se somavam à discriminação em função da sua raça ou cor de pele: seu gênero e sua precária situação econômica. Essas desvantagens contribuíram para sua vitimização. Dessa forma, as Sras. dos Santos e Ferreira compartilham fatores específicos de discriminação sofrida por pessoas afrodescendentes, mulheres e pessoas em situação de pobreza, mas, além disso, sofrem uma forma específica de discriminação devido à confluência de todos esses fatores.” Ibid


É válido mencionar que a expressão interseccionalidade foi cunhada pela doutrinadora estadunidense Kimberle Crenshaw 3.


Da mesma forma, a título de informação, a doutrinadora, Thula Pires disserta sobre a Teoria Crítica da Raça e relaciona o racismo estrutural e institucional com a cegueira da cor (collor blindness), no sentido de que as instituições são construídas para serem racialmente neutras, conforme segue 4:


A cegueira da cor, assim como a defesa de uma perspectiva neutra, objetiva, imparcial e ahistórica da realidade levam, ao contrário, à preservação das hierarquias raciais, de gênero, morais e sociais que se pretende superar.


No que tange ao impacto ao projeto de vida, a Corte IDH pontuou que a violação ao projeto de vida se relaciona com o direito à vida digna e à liberdade, sob a perspectiva do direito à autodeterminação. Nesse sentido, decidiu que a vítimas foram gravemente impedidas de desenvolver seu projeto de vida, situação agravada pela falta de acesso à justiça em condições de igualdade, em um contexto de discriminação racial estrutural e sistêmica – o que acarretou um sentimento de rejeição social e institucional, repercutindo negativamente no desenvolvimento pessoal das vítimas.


Por fim, a Corte estabeleceu as seguintes reparações 5: (i) que forneça tratamento psicológico e/ou psiquiátrico às senhoras dos Santos Nascimento e Ferreira Gomes; (ii) realizar as publicações indicadas; (iii) realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional e pedido público de desculpas; (iv) adotar protocolos de investigação e julgamento para delitos de racismo; (v) incluir nos currículos de formação permanente dos funcionários do Poder Judiciário e do Ministério Público do estado de São Paulo um conteúdo específico em matéria de discriminação racial direta e indireta; (vi) adotar as medidas necessárias para que aqueles que exercem funções no Poder Judiciário notifiquem o Ministério Público do Trabalho sobre supostos atos de discriminação racial no ambiente de trabalho; (vii) adotar as medidas necessárias para que seja desenhado e implementado um sistema de coleta de dados e números relativos ao acesso à justiça com distinções de raça, cor e gênero; (viii) adotar as medidas necessárias para prevenir a discriminação nos processos de contratação de pessoal; e, (iv) pagar os valores fixados na Sentença a título de indenização por danos imateriais, e para ressarcimento de custos e gastos. 


Observação:  O CNJ em 2025 publicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial – Protocolo n. 73. 6

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Referências:

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Autora:

Vitória Fachin:

É Advogada, sócia fundadora do Escritório “Vitória Fachin: Advocacia e Consultoria Especializadas”; é especialista em Gestão Tributária pela USP/Esalq; está cursando Pós-Graduação em Direito Médico na Ebradi e é Coordenadora Jurídica e integrante da Diretoria, de forma voluntária, do Lar para Idosos Irmã Tereza (LAIITE), em Pedro Leopoldo/MG.

 

 

 

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