TEORIAS DO DOLO E TEORIAS DA CULPABILIDADE - DIREITO PENAL
- vitoria fachin
- 20 de out.
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TEORIAS DO DOLO:
Teorias volitivas: ênfase na vontade.
a) teoria da vontade: exige a efetiva vontade do agente, em relação ao resultado. Adotada no art. 18, I, primeira parte, CP.
Art. 18, I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo
b) teoria do consentimento ou assentimento: o agente prevê o resultado e conforma-se com sua realização ou aceita sua produção - dolo eventual. Utiliza-se a fórmula de Frank: “se assim ou de outro jeito, ocorra este ou aquele resultado, em qualquer caso eu atuo”. Adotada no art. 18, I, parte final, CP.
Art. 18, I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo
c) teoria da indiferença: se o agente atua com indiferença em relação ao bem jurídico, inclusive com relação às consequências de suas ações, atua com dolo. Todavia, se o agente tiver esperança de que o resultado não ocorra, não agiu com indiferença.
Crítica: considera o elemento subjetivo derivado da personalidade do agente e não do fato - o que pode ocasionar o direito penal do autor.
d) teoria da evitabilidade/teoria da não comprovada vontade de evitação do resultado/teoria da objetificação da vontade de evitação do resultado: o elemento volitivo se manifesta na inexistência de contrafatores aptos a evitar a violação do bem jurídico e, caso o agente não tenha ativado os contrafatores, atua com dolo. Todavia, caso tenha acionado os contrafatores, tentado evitar o resultado, atua com culpa consciente. Assim, o agente atuará com dolo quando verificar ser possível o resultado e não tentar evitá-lo.
e) teoria da decisão contrária ao bem jurídico: a essência do dolo seria a realização do plano pelo autor, assim, o resultado é produzido dolosamente quando corresponde ao elaborado pelo plano do agente, conforme valoração objetiva. Relevante para diferenciar dolo eventual de culpa consciente.
Teorias cognitivas: funda-se no conhecimento do autor sobre os elementos do tipo para a definição do dolo - desconsidera a vontade.
a) teoria da representação ou da possibilidade: há dolo eventual quando o agente representa o resultado como possível e prossegue na realização da conduta - verifica-se o atuar do agente diante da alta probabilidade da ocorrência do resultado. Não haveria espaço para a culpa consciente, somente para a culpa inconsciente.
b) teoria da probabilidade: há dolo eventual quando o agente representa a ofensa ao bem jurídico como provável, não apenas como possível. Todavia, se o agente considera o resultado apenas possível, haverá culpa consciente. Baseia-se em um cálculo estatístico.
Crítica: culpa seria confundida com dolo.
c) teoria do risco ou da representação de um perigo: a conduta é dolosa, quando o perigo criado pelo agente é de tal qualidade e quantidade que uma pessoa sensata só teria tal comportamento se aceitasse o risco. Assim, haverá dolo eventual se o agente aceita que produz um perigo de dolo - aquele que é idôneo para produzir um resultado e que espelha uma decisão consciente. Busca adotar critério normativo para definir o dolo.
d) teoria do perigo desprotegido ou descoberto: atua com dolo o agente que tem consciência da exposição do bem jurídico a um risco desprotegido, ainda que torça para não ocorrência do resultado e que sua probabilidade seja pequena. Assim, se a superveniência do resultado depende da sorte/acaso, haverá dolo eventual. Todavia, se era possível, em tese o controle dos fatores de risco pela atuação do agente (perigo protegido), haverá culpa.
Dolo sem vontade: Luiz Greco defende um dolo baseado no conhecimento e não na vontade. Dolo seria o conhecimento de que a ocorrência do resultado é provável - pressupõe conhecimento do que está acontecendo, implicando domínio da ação e representa um fundamento de punição.
Dolo sem conhecimento ou cegueira deliberada: o agente se coloca em uma situação de erro tipo essencial, para evitar seu conhecimento sobre a elementar do tipo e evitar sua responsabilização, conforme art. 20, CP.
Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Crítica: Guilherme Lucchesi defende que a cegueira deliberada é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, pois sua adoção permitiria atribuir dolo a uma conduta culposa - confundindo dolo e culpa. Outros penalistas entendem que o dolo eventual já abarcaria as hipóteses de cegueira deliberada, sendo desnecessária tal teoria.
STF: adotou a teoria da cegueira deliberada na AP 470 (Mensalão) e em julgados da lava jato, adotando os seguintes fundamentos: o agente tem ciência da elevada probabilidade de que os bens envolvidos tinham origem delituosa; o agente age com indiferença para essa elevada probabilidade; o agente escolhe deliberadamente manter-se ignorante sobre os fatos.
STJ: Já aplicou a cegueira deliberada, todavia, entende que deve ser demonstrado no quadro fático que o agente finge não perceber determinada situação para, assim, alcançar a vantagem indevida - AgResp 1565832/2018.
Dolo vs. consciência da ilicitude:
Teoria Estrita do Dolo: a consciência da antijuridicidade é elemento do dolo e, quando ocorre a sua ausência, o dolo fica excluído. O agente precisa efetivamente saber que dirige sua vontade a uma ação antijurídica, consciência que deve ser atual. Nessa concepção, qualquer erro, quer seja de tipo, quer seja de proibição, exclui o dolo. Pelo erro de tipo, exclui-se a vontade de praticar o fato típico e antijurídico, excluindo-se, portanto, o elemento psíquico do dolo; pelo erro de proibição exclui-se a consciência da antijuridicidade, excluindo-se, portanto, o elemento normativo do dolo.
Teoria Limitada do Dolo: A teoria limitada do dolo também considera a consciência da antijuridicidade como elemento do dolo, todavia, essa consciência precisa ser apenas potencial. Para essa teoria, o dolo exige a consciência da antijuridicidade, mas em determinados casos ela é inexigível: quando a conduta do autor é incompatível com uma concepção sã, de conforme ao direito e de contrário ao direito, essa conduta desviante pode ser chamada de inimizade ao direito ou cegueira jurídica. Tal erro sobre a antijuridicidade seria evitado por uma concepção sã de direito, a qual o indivíduo não possui, devendo, portanto, responder a título de dolo por sua conduta.
TEORIAS DA CULPABILIDADE:
Teoria psicológica da culpabilidade: teoria causalista de Franz von Liszt e Ernst von Beling. Para essa teoria a culpabilidade significa a relação psíquica entre o agente e o resultado, a título de dolo ou culpa, cujo único pressuposto é a imputabilidade. Parte dos causalista consideram que o dolo é normativo, pois o agente deve atuar com vontade, conhecimento e atual consciência da ilicitude. Por ser uma teoria causalista o dolo e a culpa faziam parte da culpabilidade.
Teoria psicológico-normativa da culpabilidade: teoria causalista de Reinhard Frank. O autor acrescentou na teoria psicológica da culpabilidade o elemento exigibilidade de conduta diversa (que seria o elemento normativo) - possui compatibilidade com a teoria neokantista, pois aceita que elementos subjetivos e normativos no tipo penal. Segundo Frank a culpabilidade é reprovabilidade - um juízo de censura e uma valoração psicológica da culpabilidade, pois se exige uma relação psicológica do autor com o ato. O dolo também seria normativo, pois faz parte da culpabilidade e, por isso, ter como seu conteúdo a atual consciência da ilicitude.
Obs. Neokantismo ou teoria causal valorativa: tem base causalista, então, o dolo e culpa fazem parte da culpabilidade. Conduta é ação, sem comportamento, seja ação ou omissão (sistema neoclássico). Se baseia na teoria de Kant, então, o direito é visto como ciência-cultura, assim, o tipo é tido como norma cultural, já que trazem valores previamente estabelecidos, ou seja, o texto legal não tem um sentido objetivo, deve ser descoberto pelo intérprete. Bitencourt diz que o neokantismo considera a norma como produto cultural. A culpabilidade passa a ter como elemento a exigibilidade de conduta diversa - culpabilidade psicológica-normativa. O dolo é normativo, pois possui como elemento a consciência atual da ilicitude, ou seja, verifica-se se o agente atuou com dolo ou culpa + se tinha a época consciência da ilicitude.
Obs. Teoria de Kant: diferencia as ciências da natureza - que explica um objeto sem relação com o sujeito que o estuda, e as ciências da cultura, que compreende um objeto a partir da relação mútua entre o objeto de conhecimento e o sujeito que o estuda.
Teoria Estrita/Extremada da Culpabilidade/teoria normativa pura da culpabilidade: teoria finalista, vê toda falta de consciência de antijuridicidade como erro de proibição. Para essa teoria, a falta de consciência de antijuridicidade não exclui o dolo, porque o dolo esgota-se com o querer objetivo do tipo. Entretanto, a inconsciência da ilicitude exclui a culpabilidade, posto que, como o dolo, esgota-se com vontade e previsibilidade, a consciência da antijuridicidade passa a ser, ao lado da imputabilidade, a própria culpabilidade - a consciência da ilicitude deixa de pertencer ao dolo. A consciência da antijuridicidade é sempre potencial.
Não vai se indagar se o agente tinha efetivamente esta consciência, mas far-se-á um juízo pessoal sobre o sujeito para aferir se ele tinha, naquelas determinadas circunstâncias do cometimento da ação típica e antijurídica, a possibilidade de ter o conhecimento do injusto. Tanto faz se o agente interpreta a realidade equivocadamente (descriminante putativa) ou erra sobre os limites ou a própria excludente de ilicitude (erro de proibição), pois tudo será tratado como erro de proibição. Posição defendida por Zaffaroni.
Obs. Zaffaroni entende que o erro de tipo que se refere a um tipo permissivo (por exemplo, a legitima defesa) nunca afeta o dolo, mas sempre a consciência da ilicitude (erro de proibição). Assim, para ele, qualquer descriminante putativa, se invencível, seria excludente de culpabilidade, nunca atipicidade.
Obs. Com a teoria finalista a culpabilidade deixa de ser psicológica, pois o dolo e culpa passam a integrar o fato típico. Assim, a culpabilidade passa a ser puramente normativa, juízo de reprovabilidade, cujos elementos são: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
Obs. Para o finalismo, basta que a consciência seja potencial, não precisa ser atual, ou seja, avalia apenas se o agente tem condições de entender que sua conduta contraria o ordenamento jurídico. Assim, a consciência da ilicitude deixa de ser elemento do dolo e passa a ser elemento autônomo da culpabilidade.
Teoria Limitada da Culpabilidade (majoritária): Na teoria limitada, o erro quanto às discriminantes putativas, dependendo do caso, será equiparado ao erro de tipo, excluindo a tipicidade (dolo), ou erro de proibição, excluindo a culpabilidade. Se o erro for quanto aos limites da causa de justificação teremos erro de proibição indireto ou descriminante putativa por erro de proibição; se for erro quanto aos pressupostos fáticos da excludente de ilicitude, temos a equiparação ao erro de tipo (descriminante putativa por erro de tipo). A consciência da antijuridicidade é sempre potencial. Essa teoria é a adotada no CP, conforme art. 17, da exposição de motivos do CP.
Obs. Erro de tipo permissivo ou descriminante putativa por erro de tipo: é o erro sobre os FATOS nas descriminantes putativas, ou seja, o erro sobre os pressupostos fáticos da realidade (interpretação equivocada da realidade) faz com que o agente pense estar acobertado por excludente de ilicitude - assim, deve ser tratado como erro de tipo. Se inevitável excluiu a tipicidade, se evitável, possibilita a punição da conduta a título de culpa. Adotado no art. 20, §1º, CP.
Art. 20, § 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
Obs. O legislador usa o termo “isento de pena”, mas o que se exclui é o dolo, ou seja, a tipicidade.
Obs. Descriminante putativa por erro de proibição ou erro de proibição indireto ou erro de permissão: o agente acredita estar acobertado por uma excludente de ilicitude POR INCORRETA INTERPRETAÇÃO DA NORMA. Ele se equivoca sobre a existência ou sobre abrangência (limites) da excludente de ilicitude. Se inevitável, há isenção de pena, por exclusão da culpabilidade (falta de consciência de ilicitude), se evitável, é causa de diminuição de pena de 1/6 a 1/3. Adotada no art. 21, CP.
Obs. Erro de proibição direto: O agente erra quanto ao conteúdo da norma proibitiva, seja porque desconhece a existência do tipo penal incriminador ou porque não compreende seu âmbito de incidência.
Erro de proibição indireto: Ocorre quando o agente atua conhecendo a tipicidade de sua conduta, porém supõe estar ela acobertada por alguma excludente da ilicitude.
Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
Teoria extremada sui generis da culpabilidade: teoria finalista adotada por Luis Flávio Gomes. A diferença para as outras é que aplica consequência diversa para a descriminante putativa sobre os fatos. Assim, o tratamento da discriminante putativa decorrente da equivocada percepção da realidade depende se o erro é evitável ou inevitável. Para ele, se o erro for inevitável, é erro de proibição, já se o erro for evitável, pune o fato a título de culpa, por ter sido descuidada a conduta do agente.
Observações: Se o agente interpreta mal a norma, para todas as teorias da culpabilidade ligadas ao finalismo (culpabilidade estrita, culpabilidade limitada e culpabilidade extremada sui generis) será erro de proibição. A divergência recai sobre se o agente se equivocar sobre os pressupostos fáticos da excludente de ilicitude (se equivocar sobre a realidade).
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Fonte: Avelar, Michael Procopio, Manual de Direito Penal - Volume Único - Parte Geral e Parte Especial. 2ed, rev., atual e ampl. São Paulo: Juspodivm, 2023.
Resumo feito em agosto/2024 por Vitória Fachin.

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